Como fazer um casamento duradouro na sua Sociedade Clínica Médica?
O acordo de convivência entre sócios é o remédio para divergências do dia a dia.
A gestão de uma clínica médica
Você já se perguntou por que e como teria uma clínica médica com determinado colega? De certo, você pensou nas ideias comuns, forma de trabalhar, afinidades e como dividiram as tarefas, conforme características individuais. Porém, é provável que você não tenha pensado sobre a gestão do negócio.
Até porque, como “todo mundo faz”, você pensou em contratar um contador, que poderá organizar a questão de tributos e, de quebra, ainda, fará o contrato social e toda essa burocracia empresarial. No mais, as demandas do dia a dia vão se ajeitando. Não é verdade?!
A sociedade clínica baseada em amizade e auxílio de um contador é um bom caminho, mas não é suficiente para gestão do negócio a médio e longo prazo. Não acredita? Vou contar-lhe um dos muitos casos semelhantes que atendo, frequentemente, para auxiliar no acordo de fim da sociedade ou gerir conflitos que parecem, junto com a rotina exaustiva de trabalho, serem incontornáveis:
Três amigos que se conheceram, na Faculdade, e fizeram Residência Médica em especialidades complementares, decidiram abrir uma clínica. Para tanto, contrataram um contador, que resolveu “toda a questão burocrática”. No mais, conversaram que um deles iria fazer essa comunicação com o contador, outro iria verificar a questão de contratação e treinamento de recepcionistas e outro, efetivamente, pagaria as contas, lidando com bancos.
Além disso, todos trabalhariam e receberiam pelo seu trabalho e dividiriam, após pagarem “todas as contas”, o que sobrasse de “lucro”.
Passados alguns anos, algumas questões começaram a surgir e os três sócios, já com a amizade um pouco distanciada, estavam incomodados. Um achava que trabalhava mais que todos, pois um colega era casado e tinha filhos, ausentando-se diversas vezes e outro, resolveu entrar na vida acadêmica, deixando, muitas vezes, “suas atribuições” para ele.
Pior, um dos sócios foi tentar ir ao banco para resolver algumas questões e descobriu que o contrato social que tinha sido feito não lhe permitia movimentar as contas.
Ainda, surgiram conflitos sobre o quanto e em que deveriam investir: novos equipamentos, marketing, mobília? Como fazer para investir e ainda sobrar dinheiro? E ainda tinha mais, a filha de um dos sócios estava para terminar a residência e de certo, ele ia querer colocar ela
na sociedade, de qualquer jeito.
O outro, resolveu casar e ele não confiava que esse relacionamento iria durar, como será que vai ser um futuro divórcio, será que o lucro da clínica será envolvido?
Enfim, no meio de tantas questões, se você já viveu uma situação semelhante ou viu algum colega passar, de certo, pensou que sociedade é “uma furada” e o caminho será encerrar a parceria.
Mas como será a migração dos pacientes? E a divisão financeira, quem ficará com o que e quanto? Quem arcará com as despesas futuras, que tiveram origem durante a sociedade? E “a marca” que construíram?
O fato é que abrir, gerir e manter uma clínica médica geram conflitos, que podem gerar prejuízos, se não houver soluções planejadas. Crescer, profissionalmente, com colegas, em sociedade, é um caminho possível, sim. Porém, se você, apenas, usar contrato social genérico, sem acordo e conversa prévia, irá se decepcionar. Por isso, o acordo de convivência entre sócios é uma solução prévia para divergências do dia a dia.
1. O que é o Acordo Convivência entre Sócios em Sociedade Clínica?
Primeiro ponto que preciso te esclarecer/lembrar é que uma sociedade clinica é uma empresa e por isso, além de obrigações legais, precisa pensar, sim, em gestão. Não basta colocar uma recepcionista, captar um monte de paciente, sair atendendo como louco e ver o que terá de retorno financeiro.
Talvez dessa forma, mais rústica, muitas sociedades clínicas tenham tido êxito, quando o mercado de trabalho tinha menos profissionais atuando e entrava tanto dinheiro, que o que se perdia sem gestão, não fazia muita diferença. Hoje, a realidade é diferente e você sabe disso, só não te ensinaram como fazer.
Nesse contexto, você já deve ter visto que o contrato social é um documento obrigatório, o qual formaliza a existência da sociedade clínica, bem como regulamenta, inclusive, a relação da clínica com terceiros, pois indica dentre outros pontos, objeto, capital social, sócios e suas quotas, responsabilidades e formas de extinção.
Tal documento costuma ser feito de forma genérica, por um contador, sem auxílio de advogado. Porém, a questão é que, além de costumar ser feito um contrato social, sem assistência especializada, é um documento público e por isso, apesar de precisar conter algumas proteções aos sócios, não deve conter questões internas do negócio, até por conta de estratégia e privacidade.
Por isso, é recomendado, fortemente, que a sociedade, inclusive, clínica, tenha um acordo de convivência entre sócios, também chamado de acordo de cotistas ou acordo prévio de sócios. Legalmente, está previsto na Lei de Sociedades Anônimas (artigo 118 da Lei 6.404/1976), mas pode ser usado por qualquer outro tipo de sociedade/empresa.
Esse documento é um contrato, no qual, após uma conversa prévia e, de preferência, assessorada, são estabelecidas regras de convivência, direitos, obrigações, divisão de tarefas, divisão de lucro, pagamento de pró-labore, regras para entrada e saída de sócios, inclusive, em caso de divórcios e falecimento, pontos confidenciais, como serão tomadas decisões de investimentos e empréstimos bancários, dentre outras.
A grande vantagem do acordo de convivência é que, não precisa e não deve ser público, como o contrato social, dando liberdade, privacidade e principalmente, mantém segredos das estratégias de negócio. Além disso, pode ser revisto, de tempos em tempo, reajustando-se as regras, conforme a evolução do negócio e mudanças de ideias dos sócios.
Por isso, apesar de não ser obrigatório, como o contrato social, o acordo de convivência é um documento que será essencial na gestão da sociedade clínica a médio e longo prazo.
Pois por mais que se fale que “entre homens justos não precisa de papel”, o certo é que o que se reflete, ajusta e registra documentalmente, fica mais fácil de lembrar e seguir.
2. O que pode ser previsto e o que é importante prever no Acordo de Convivência entre sócios em sociedade clínica?
Como o acordo de convivência é um contrato, a lei dá plena liberdade, desde que as partes estejam aptas (condição de saúde e legal) a decidir, bem como decidam algo que não seja contrário à lei ou prejudique pessoas não envolvidas, ou mesmo não seja algo impossível de cumprir ou de forma indeterminada, que não se possa medir se está sendo cumprido ou não (artigo 104 e seguintes – Título: Do Negócio Jurídico, bem como artigo 421 e seguintes – Título: Dos Contratos em Geral, do Código Civil). Ou seja, em resumo, tudo que não for proibido por lei ou for para se omitir de alguma obrigação legal, pode ser previsto no acordo de convivência.
No entanto, como o acordo de convivência tem como principal função prever questões e soluções para fatos futuros, sempre recomendo que sejam feitos questionamentos mínimos, quais sejam:
1 – Como será a divisão de tarefas? Como será a distribuição de lucros e pagamento de pró-labore?
2 – Como serão as decisões sobre contratação, treinamentos, empréstimos bancários, investimentos em equipamento, marketing, ampliação da clínica?
3 – Por qual motivo um sócio pode ser convidado a sair da clínica? Como ficarão as divisões de lucros e despesas? Será que o que cada um investiu está catalogado e será fácil resolver, caso alguém fique descontente?
4 – E se um dos sócios quiser sair da clínica? Como será repassada a parte dele? Como ficarão os ajustes financeiros?
5 – O que ocorrerá com a sociedade clínica, caso um dos sócios venha a falecer? Quem Assume? Herdeiros? Será que é viável para seu negócio que os filhos, cônjuges e outros parentes entrem na sociedade?
6 – Se um dos sócios sair, como os pacientes serão avisados e como será a transição deles de uma clínica para outra, se for o caso?
Claro que esse rol não é estático, sem possibilidade de mudança, exclusão ou outras inclusões, mas, acredito ser o mínimo para se iniciar um acordo de convivência que auxilie na gestão da clínica, viabilizando seu êxito técnico, mas também, financeiro. Até porque decisões que não são previstas ou não tem parâmetros resultam em decisões tomadas, na emoção, ou para se livrar de algo que incomoda, que acarretam em perda de tempo e dinheiro.
3. Se já tenho clínica aberta, é possível fazer ou rever essa documentação?
O acordo de convivência, apesar de ser recomendado, ser feito, assim que se inicia a sociedade clínica médica, evitando-se desgastes e prejuízos, como os que mencionei, pode ser feito ou revisto a qualquer tempo, desde que não seja para prejudicar ou se beneficiar em um conflito já existente. Ou seja, não se pode providenciar esse documento, com o fim de prejudicar um sócio, apenas, porque já se tornou intolerável a convivência e quanto mais se lucrar, melhor.
Na verdade, na maioria das vezes, o acordo de convivência entre sócios é feito, após alguns meses ou anos e maturidade do negócio. Isto porque não é ensinado aos médicos sobre gestão de negócios, mas apenas técnicas e estudo, por conta disso, no início da sociedade clínica algumas questões do dia a dia empresarial sequer são imaginadas pelos sócios.
Logo, pode ser feito, no início ou durante o percurso. Por isso, se você pensa em abrir uma clínica médica, entrar em uma ou já está, nesse mundo, do empreender, na área de saúde, o acordo de convivência entre sócios é a solução prévia para gerir conflitos do dia a dia, possibilitando a gestão harmônica do negócio.
Conclusão
O fato é que, independentemente do estágio da sociedade clínica, diante do cenário atual do mercado de trabalho na Medicina, pensar em estratégias de negócio é algo cada vez mais urgente.
Nesse contexto, com o intuito de evitar a perda do principal ativo de qualquer empresa – capital humano, o acordo de convivência deve estar entre os itens obrigatórios de documentos de uma sociedade clínica que almeja sucesso duradouro.
Se você ainda não tem e não sabe como iniciar, procure um advogado especialista na área de Direito Médico, que irá te guiar e fazer mais que um papel qualquer, mas um documento que funcione e seja exigível, caso se faça necessário futuramente.