O médico pode se negar a realizar o aborto legal?

18 de outubro de 2024
Géssica Bulhões

Saiba como agir para que a negativa de realização do aborto legal não se torne um processo ético profissional ou judicial.

Nas últimas semanas, o debate sobre o aborto legal ganhou força diante da Resolução 2378/44 do Conselho Federal de Medicina, que proíbe a realização de assistolia fetal nos casos em que a gestação ultrapasse a 22 semanas.

Sempre que o tema vem à tona, muitos médicos que não concordam com a realização do aborto, questionam se podem negar a realização do procedimento e de que forma podem se proteger diante dessa negativa.

A pretensão deste artigo é esclarecer aos médicos que a objeção de consciência pode ser invocada como fundamento para a negativa à realização do aborto contudo, não se trata de um direito absoluto, havendo situações específicas onde ficará afastada a objeção e, por conseguinte a negativa.

Casos de aborto legal

A autonomia é conceituada como a capacidade de se governar pelos próprios meios. É dizer que a cada ser humano, plenamente capaz, é facultado o direito de agir conforme suas convicções.

Não poderia ser diferente para os médicos que, sim, em nome da sua autonomia, podem negar a realizar o aborto. Contudo, é preciso atenção para que essa negativa não se transforme em um processo ético profissional, ou mesmo judicial.

Primeiro, é necessário esclarecer que a legislação vigente determina que não se punirá o aborto praticado por médico nos casos em que não haja outro meio de salvar a vida da gestante, ou que a gravidez seja decorrente do crime de estupro, mediante o consentimento da genitora ou do seu representante legal.

Ainda que não esteja descrito no artigo 128 do código penal, a constatação de anencefalia do feto também está inserida no rol de exceções ao crime de aborto, em razão de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, publicada em abril de 2012.

Veja que, tanto a lei como a decisão do STF trazem possibilidades quanto a realização do aborto legal o que, em regra, não configura imposição ao médico que, como dito anteriormente, possui suas convicções e crenças, como qualquer ser humano.

Diante disto, para situações em que haja conflito entre o que a lei permite e os ditames morais do médico, pode-se invocar objeção de consciência.

Contudo, é preciso cuidado: não basta que o médico simplesmente comunique à paciente da recusa por objeção de consciência. 

O que pode ser feito para que essa negativa não venha a trazer consequências no âmbito do Conselho Regional de Medicina, ou mesmo judicial?

É recomendado que toda a situação seja devidamente registrada em prontuário, incluindo a objeção de consciência, as razões para tal e, principalmente, as condições clínicas da paciente, porque com isso é possível afastar eventual alegação de que se tratou de atendimento de urgência ou emergência.

Caso você, médico, esteja vinculado a instituição de saúde, é de suma importância a comunicação por escrito ao Diretor Técnico que, por sua vez, indicará outro médico para prosseguir com o atendimento e realizar o procedimento.

Se esse não for o caso e o atendimento à paciente ocorreu em âmbito privado, é recomendado que seja elaborado Termo de Cientificação de Objeção de Consciência, a ser assinado pela paciente onde, além de constar o resumo do seu quadro clínico, conste também a indicação de outros profissionais que podem dar continuidade ao atendimento.

Se for possível, comunique o fato ao seu Conselho Regional. Essa comunicação não é obrigatória, mas demonstra a boa prática médica.

Situações excepcionais 

Médicos não são obrigados a fazer o aborto legal, contudo, não se pode deixar de chamar a atenção para o fato de que, ao mesmo tempo em que o Código de Ética Médica concede o direito à objeção de consciência, também traz situações excepcionais, nas quais a recusa por objeção de consciência será afastada e você deverá prosseguir com o atendimento e procedimento.

Imagine que você, médico, está no seu plantão e se depara com o atendimento de emergência de uma paciente gestante e, a única forma de salvar a sua vida é realizar o aborto. 

Naquele momento, não há outro profissional para continuar o atendimento daquela paciente. Nesse caso, em observância à preservação da vida da gestante, afasta-se a objeção de consciência e você terá que dar seguimento ao atendimento e fazer o aborto, em que pese isso contrarie seus ditames morais.

Conclui-se, portanto, que o médico não está obrigado a fazer o aborto legal, se isso contraria às suas convicções morais, contudo, a situação não pode ser compatível com risco à vida ou saúde da paciente e deve haver outro profissional disponível para dar continuidade ao tratamento sendo, ainda,recomendado que toda a situação seja devidamente registrada em prontuário.

Se você tem dúvidas sobre esse assunto, não hesite em conversar com um advogado especialista na área.

Autor:

Géssica Bulhões

Advogada, mergulhada no universo do Direito Médico desde 2017, quando iniciou e finalizou curso de especialização em Direito Médico pela Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes - ESA/BA. Pós-Graduada em Direito Médico e Bioética pela Universidade Católica do Salvador - UCSAL. Aluna e membro da Comunidade do Treinamento Avançado em Direito Médico - Samantha Takahashi. Advogada, mergulhada no universo do Direito Médico desde 2017, quando iniciou e finalizou curso de especialização em Direito Médico pela Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes - ESA/BA. Pós-Graduada em Direito Médico e Bioética pela Universidade Católica do Salvador - UCSAL. Aluna e membro da Comunidade do Treinamento Avançado em Direito Médico - Samantha Takahashi. Instagram: @gessicabulhoes

Inscreva-se em nossa newsletter

Cadastre seu e-mail e receba todas as novidades.

Artigos relacionados:

Qual a responsabilidade do médico diante de tratamentos paliativos? Quem decide a utilização ou não dessas terapias?
Este texto falará um pouco sobre terapias paliativas, um tema de grande debate na medicina e que afeta diretamente o […]
Continue lendo →
Proteção de Dados na Saúde: Entenda como a LGPD impacta Consultórios Médicos
Proteja seus pacientes, evite multas e melhore a gestão de Dados no seu consultório médico. Como a LGPD afeta diretamente […]
Continue lendo →
Como dispensar um paciente complicado - seja no SUS ou no sistema privado?
Se você é médico, precisa conhecer as melhores estratégias para encerrar o vínculo com um paciente difícil de lidar, sem […]
Continue lendo →
1 2 3 7
Veja todos os artigos
Entre em contato
Whatsapp: (43) 99159-9555
Fixo: (43) 99159-9555
contato@samanthatakahashi.com.br
Rua Montevideo, 735, Ed. Torre Alicante-1602, Gleba Palhano. Londrina/PR
Newsletter
Cadastre-se em nossa newsletter e fique por dentro de todas as novidades.
Todos os direitos reservados, Razão social: Centro Jurídico Samantha Takahashi, CNPJ: 26.049.545/0001-86
usercalendar-fullcrossmenuarrow-right
×

Olá!

Clique no contato abaixo para falar com a nossa equipe.

×
linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram