Por que médicos pagam tantos impostos?

30 de outubro de 2024
Rafaela Dozza Posser

Você já se sente frustrado quando analisa quanto você paga de impostos ao governo todo o ano? Se sim, você não está sozinho. A maioria dos médicos enfrenta o mesmo desafio. 

Este artigo pretende explicar de maneira breve e objetiva o motivo pelo qual médicos pagam tantos impostos e como você pode gerenciar melhor essa carga tributária.

1 - Por que pagamos impostos?

Os tributos são ferramentas usadas pelo governo para arrecadar recursos financeiros, que serão utilizados para financiar serviços públicos e investimentos do Estado, como a saúde pública. Entre todas essas fontes de recursos, os impostos são responsáveis pela maior parte da receita do governo.

Em essência, imposto é uma quantia que, por lei, somos obrigados a pagar ao governo - verdadeiramente imposta a nós, daí o nome imposto -, ou seja, não opcional. Assim é que quando você aufere renda, você terá de pagar o tributo sobre esse rendimento (imposto de renda), ou prestado algum serviço, você sujeita-se ao imposto sobre serviços (ISS). Dessa forma, boa parte do que médicos recebem por consultas, cirurgias ou procedimentos se converte, no final das contas, em tributos pagos às três esferas de governo: federal, estadual e/ou municipal.

O pagamento de tributos ocorre, em algum nível, em qualquer lugar do mundo. Porém, em um país como o Brasil, que tem uma das cargas tributárias mais elevadas do planeta, a preocupação com o tema tende a ser maior.

Vários dos impostos são indiretos, ou seja, estão embutidos nos preços de produtos e serviços adquiridos por toda a população. Sobre esses, pouco se pode fazer além de deixar de consumir os produtos e os serviços que agregam uma porcentagem maior de impostos. Outros, contudo, são impostos diretos, que incidem sobre a renda ou o patrimônio das pessoas, e sobre os quais se tem algum tipo de controle.

2 - Como um médico é tributado?

Primeiramente, saiba que, independentemente da forma, todo rendimento deve ser declarado e apresentado à tributação. Agora, se esse rendimento “entra” como parte da sua pessoa física ou da jurídica, aí é outra história. Cada opção tem suas vantagens, desvantagens e, claro, diferentes impactos tributários.

Médicos são considerados profissionais liberais, e isso significa que, após a finalização do curso de Medicina e o registro no Conselho Regional de Medicina do seu estado (CRM), esse profissional tem a liberdade de definir como prestará seus serviços, seja como empregado, como prestador de serviços autônomo (pessoa física) ou como empresário (pessoa jurídica).

Existem situações em que não há dúvidas. Imagine o seguinte cenário: você e alguns colegas decidem se associar e abrir uma clínica de especialidades. Nesse caso, vocês criarão uma sociedade, a chamada “pessoa jurídica” (PJ), uma entidade separada de vocês como indivíduos. Essa entidade terá sua própria vida contábil e fiscal, com receitas e tributos declarados em nome da pessoa jurídica.

Por outro lado, pensemos que você possui um emprego num hospital, com um salário fixo mensal, regido pela CLT, ou seja, você é um médico “contratado”. Aqui, não será preciso constituir uma empresa própria, pois sua remuneração será na sua pessoa física.

3 - Tributação como Pessoa Física

Pense nos rendimentos que você̂ recebe. Podem vir de dois lugares principais: ou você̂ é um empregado, com carteira assinada, ou é servidor público, ou então você̂ atua como um profissional autônomo, atendendo pacientes por conta própria ou prestando serviços a hospitais e clínicas sem vínculo empregatício. Cada uma dessas fontes de renda tem suas

peculiaridades na hora de declarar e pagar impostos.

O funcionário contratado (celetista) é o prestador de serviços contratado com base na CLT; já o regime estatutário é definido por um conjunto de regras que regulam a relação funcional entre o servidor e o Estado (União, Estados, Municípios, p.ex.). Nestes casos, em que há vínculo empregatício, a forma de tributação será sempre como pessoa física. Isso significa que os rendimentos que você̂ recebe pelo seu trabalho são considerados renda pessoal e estão sujeitos ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

Dessa forma, o processo de tributação é bastante direto: o imposto de renda é retido pela fonte pagadora (hospital, p. ex.) no ato do pagamento. Ou seja, antes mesmo de você̂ receber seu salário, o empregador (seja uma empresa privada ou um órgão público) já calcula e retém o valor do imposto devido.

Além do IRPF, as contribuições para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) também são descontadas diretamente do seu salário. Já́ quando você atua como profissional liberal, tem a liberdade de exercer sua atividade de forma independente, como trabalhador autônomo, sem estar atrelado a um contrato de trabalho com terceiros. Tem a possibilidade,

inclusive, de contratar colaboradores e de iniciar seu próprio negócio. Nesta modalidade, incide sobre a sua tributação o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).

Diferentemente dos trabalhadores com carteira assinada, que têm o imposto retido diretamente pelo empregador, o médico que trabalha por conta própria deve organizar o pagamento de seu IRPF por meio do carnê-leão, que é o método de recolhimento mensal obrigatório desse imposto para os profissionais liberais.

Uma vantagem notável para o médico autônomo é a possibilidade de deduzir certas despesas operacionais diretamente relacionadas à obtenção de sua renda. Essas despesas, desde que devidamente registradas em seu Livro Caixa e comprovadas por documentação apropriada, podem incluir custos com aluguel, equipamentos, salário dos funcionários, materiais de consumo, entre outros. Essa prática reduz a base de cálculo do imposto devido, representando uma economia significativa ao final do ano.

4 - Tributação como Pessoa Jurídica

Na maioria dos casos, constituir uma pessoa jurídica realmente se mostra vantajosa sob o aspecto tributário. Em geral, a carga tributária sobre o lucro de uma empresa pode ser  menor do que a tributação sobre os rendimentos de um profissional autônomo. Isso se deve, em parte, às alíquotas de imposto de renda pessoa física, que podem chegar a 27,5%, além dos 20% de contribuição para o INSS.

Como pessoa jurídica, a perspectiva muda completamente. A tributação incide sobre o lucro da empresa, além de incidirem mais tributos a serem recolhidos. Para simplificar a gestão tributária, foram criados regimes de tributação simplificados, que focam na receita bruta ao invés do lucro.

4.1 Simples Nacional

Apesar do nome, o Simples Nacional não se refere a um único tributo, mas a uma forma simplificada de calcular e pagar tributos federais, estaduais, municipais e previdenciários. O regime inclui: IRPJ, IPI, CSLL, COFINS, CPP,ICMS e ISS. A incidência e o valor devido variam de acordo com o tipo de serviço prestado pela clínica, com cálculos baseados na receita bruta dos últimos 12 meses e aplicando-se as alíquotas e deduções especificadas nos anexos pertinentes.

4.2 Lucro Presumido

O regime do Lucro Presumido é uma forma de tributação que calcula os impostos devidos pelas empresas com base em uma presunção de lucro. Isso significa que, em vez de pagar impostos sobre o lucro real - o que a empresa efetivamente faturou (que exigiria a contabilização precisa de todas as receitas e despesas) -, a empresa paga tributos sobre um lucro que o governo presume que ela tenha obtido.

Para a maioria dos serviços médicos, incluindo consultas médicas, a legislação presume que o lucro da empresa é um percentual fixo da sua receita bruta. Esse percentual é definido em 32% para o IRPJ e para a CSLL. Isso significa que, se sua clínica fatura R$100.000,00 com consultas médicas, o governo presume que R$32.000,00 disso é lucro e tributa sobre esse montante.

Contudo, para serviços médicos que são equiparados a hospitais (como aqueles que envolvem procedimentos complexos, uso de equipamentos especializados, cirurgias, internações, etc.), a presunção de lucro é significativamente mais baixa. Aqui, o IRPJ é aplicado sobre uma presunção de lucro de apenas 8% da receita bruta, enquanto a CSLL aplica 12%. Por exemplo, se sua clínica oferece serviços que se enquadram nessa categoria e fatura R$100.000, o governo presume que apenas R$8.000,00 (para IRPJ) e R$12.000,00 (para CSLL) são lucro e tributa esses montantes.

Isso significa que a carga tributária pode variar bastante dependendo do tipo de serviço médico prestado.

5. Conclusão

A carga tributária para médicos no Brasil é pesada, mas entender como ela é aplicada e explorar as opções de planejamento tributário pode fazer uma grande diferença. Seja atuando como pessoa física ou jurídica, cada médico tem suas particularidades e é essencial analisar cada caso para definir a melhor estratégia tributária. Contar com o apoio de um advogado tributarista pode otimizar essa gestão, garantindo conformidade com a legislação e redução da carga tributária. Se você se questiona sobre o montante de tributos

que paga todo ano e deseja reduzir esse valor um planejamento tributário adequado é a solução para a sua clínica.

Autor:

Rafaela Dozza Posser

Rafaela Dozza Posser é advogada tributarista graduada pela PUCRS, possui especialização em Direito Médico e Bioética pela EBRADI e em Direito Tributário pela PUCRS. Instagram: @rafaela.posser

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