Qual a responsabilidade do médico diante de tratamentos paliativos? Quem decide a utilização ou não dessas terapias?
Este texto falará um pouco sobre terapias paliativas, um tema de grande debate na medicina e que afeta diretamente o dia a dia do médico, o qual muitas vezes diverge da família na decisão da aplicação ou não dessas terapias. Abordarei as situações em que há divergência entre os interessados, bem como as consequências da responsabilidade civil médica nesses casos.
O que são os cuidados paliativos?
Os cuidados paliativos são práticas que visam melhorar a qualidade de vida do paciente quando a doença já não responde aos tratamentos que visam combatê-la. Nestes casos, visando o bem-estar e a prevenção do sofrimento do paciente, e consequentemente de seus familiares, em casos de doenças terminais, os profissionais da saúde podem concluir que esta seria a melhor indicação e sugerir esta abordagem ao paciente (quando consciente) e à sua família.
Divergências na adoção dos cuidados paliativos
Apesar de parecer algo simples, é uma prática que ainda gera divergências, visto que cada envolvido tem uma percepção diferente sobre a vida, sobre a doença e sobre as abordagens possíveis, podendo, muitas vezes, a indicação médica ir contra os ideais do paciente e/ou da família.
Portanto, a orientação é que essa decisão seja tomada de forma conjunta, entre o médico e demais profissionais da saúde envolvidos no caso, a família e o paciente, quando este possui capacidade para entender e decidir. No caso de indicação desse tipo de tratamento, o médico e sua equipe devem explicar com minúcias qual o objetivo, qual o motivo da indicação e quais as consequências, aconselhar, informar e garantir que o paciente e a família compreendem todas as opções e as implicações de cada opção para o caso.
Diretivas antecipadas de vontade
No processo de decisão, é imprescindível levar em consideração os desejos do paciente, que podem ser expressos diretamente, caso o paciente esteja no gozo de suas faculdades mentais no momento da sugestão da abordagem. No entanto, caso o paciente já esteja em estado de inconsciência, sua vontade pode ser garantida por meio de diretivas antecipadas de vontade, como, por exemplo, um testamento vital.
A responsabilidade civil do médico
O questionamento maior fica no plano da responsabilidade civil do médico, o qual poderá ser acusado de conduta negligente ao indicar a abordagem paliativa e, consequentemente, responder a algum processo indenizatório promovido pelos familiares, caso o paciente venha a falecer.
Mesmo diante dessas possíveis discordâncias, o médico tem o poder de recomendar e implementar o tratamento paliativo quando entender ser a melhor opção para o caso, sempre baseado nos princípios éticos e científicos, respeitando os desejos do paciente e da sua família. Merecem destaque três princípios bioéticos a serem observados na decisão do profissional de saúde: a autonomia, a não maleficência e a beneficência.
A decisão final
O médico deve empreender todos os esforços possíveis para alcançar a cura do paciente e, não sendo possível, deve prezar por seu bem-estar e pela maior qualidade de existência possível ao enfermo. No entanto, a decisão final não pode ser unilateral, as opções devem ser discutidas com o paciente e/ou com a família.
Se o paciente não estiver em condições de tomar a decisão e não tiver deixado diretivas antecipadas de vontade, a decisão deve ser tomada junto aos familiares, buscando o melhor interesse do paciente e levando em consideração os seus valores e desejos prévios.
O impasse entre médico e família
Caso a divergência seja inconciliável entre o médico e a família no que diz respeito à implementação ou recusa de cuidados paliativos, o profissional pode se negar a seguir como médico do paciente, decisão esta que deve ser tomada com cautela e seguindo princípios éticos e legais. Neste caso, ele deve assegurar a continuidade dos cuidados por outro profissional médico, evitando qualquer interrupção prejudicial ao paciente.
A responsabilidade civil médica em tratamentos paliativos
Quanto à responsabilidade civil médica, quando o médico presta serviço como profissional liberal, diretamente ao paciente, a responsabilidade do médico é contratual, onde o profissional possui uma obrigação de meio, não de resultado. Esse tipo de relação é regida pelo Código Civil, que impõe, no artigo 951, o dever de indenização a quem, “no exercício de atividade profissional e em razão da negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar lesão ou inabilitar para o trabalho”.
A legislação e a jurisprudência são uníssonas no entendimento de que não é aplicável a responsabilidade objetiva ao profissional liberal médico, o qual só será responsabilizado em caso de comprovada culpa (negligência, imprudência ou imperícia). O Código de Defesa do Consumidor também aborda a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais. Nos termos do parágrafo 4º do artigo 14, determina que a responsabilidade civil do profissional liberal será apurada mediante a verificação de culpa. No mesmo sentido, o Código de Ética Médica aduz que é vedado ao médico causar dano ao paciente (princípio da não maleficência), por ação ou omissão que se caracterize como negligência, imprudência ou imperícia. Portanto, é necessária a demonstração da culpa na alegação da responsabilidade civil do médico.
Conclusão
Em suma, no caso de morte do paciente sob cuidados paliativos, somente haverá responsabilidade civil do médico que optou pela abordagem se ele tiver descumprido seus deveres profissionais e restar configurado nexo causal entre a conduta e o dano.